segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Biblioteca



A mãe pedia-lhe que fosse à dispensa buscar arroz ou farinha. Que tormento. Arthur, nunca encontrava nada à primeira. Não entendia a ordem que a mãe dava às compras, como as classificava e as arrumava. Era um verdadeiro mistério para ele. A dispensa não tinha uma luz muito forte, e mandarem-no ir buscar coisas que ele nem sabia que aspecto tinham, e ainda por cima, arrumadas à maneira da mãe, irritava-o profundamente. As panelas, os tachos, os pratos, os talheres, enfim, os objectos que normalmente encontramos na cozinha, esses eram fáceis de achar. Com o seu lugar determinado para tudo, a cozinha era mantida sistematicamente arrumada. Mas a dispensa, isso era outra coisa, pelo menos para o Arthur.

Desde muito novo que o Arthur gostava de agrupar os objectos. Já na Escola Primária, aprendera nos exercícios de matemática, que os objectos agrupavam-se em classes, de acordo com características comuns. O professor desenhava grandes diagramas no quadro negro e pedia aos alunos que fossem indicando, onde cada objecto que ia mencionando, teria lugar. Um exercício fácil, perfeitamente lógico.

A primeira vez que foi a uma verdadeira biblioteca, ficou encantado. Que mundo aquele! As paredes cobertas de estantes altas, mais altas do que ele, de tal modo que precisaria de um escadote para alcançar os livros nas últimas prateleiras. Os bustos de homens de Ciências e Letras colocados por cima das estantes altas de madeira. O silêncio. As pessoas muito concentradas. As mesas de leitura. Até as duas senhoras velhinhas, que serviam de bibliotecárias lhe pareciam simpáticas. Arthur fez a sua inscrição. Foi como se um outro universo se lhe abrisse naquele momento. Tinha à sua frente, milhares de livros que podia ler, apreciar e, sobretudo levar para casa. Cada livro no seu sítio. Um código de letras e algarismos, marcavam a estante e o lugar para cada obra. Que mundo perfeito aquele! O primo perguntou-lhe porque escolhera aquele livro. Arthur, meio embaraçado, repondeu que ouvira falar do autor. Mentira. Apenas não queria ficar mal visto. Tirara o livro perfeitamente ao acaso. Gostara da capa e pronto. 

De regresso a casa, Arthur prometera a si próprio que doravante iria esforçar-se para conhecer aqueles livros todos. Uma multidão de pensamentos e descobertas dos homens e mulheres de todas as épocas habitavam a biblioteca. Daquele ano em diante, Arhur passaria a maior parte do seu tempo livre, as tardes de Verão, os dias de férias, no prazer daquelas salas, ou na companhia dos livros da biblioteca. 

As ferramentas do pai, penduradas na parede, cada uma de acordo com a sua função, e organizadas por tamanho, faziam-lhe lembrar as paredes revestidas de livros organizados na biblioteca. O pai dizia: "Filho, tudo tem um método para se fazer e para se arrumar." Arthur, olhou com mais atenção. Parecia que as coisas agora faziam mais sentido.



Referências

Fotografia

Texto
ECO, Umberto; FREITAS, Maria Luísa Rodrigues, trad.. - A Biblioteca. Difel : Lisboa, 1998
ISBN 972-29-0174-5

Como se recolhe e organiza o mundo do conhecimento nas Bibliotecas


1 comentário:

Alina Seixas disse...

Bem, já se pode adivinhar a profissão de Arthur quando cresceu, não?... Vê-se bem que ficou apaixonado pela ordem e método da biblioteca, portanto... bibliotecário?...

Único... verso

“Como começou o universo?”, perguntou o Arthur ao primo. O primo sabia que o Arthur gostava de fazer todo o tipo de perguntas, mas não esta...