segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Biblioteca



A mãe pedia-lhe que fosse à dispensa buscar arroz ou farinha. Que tormento. Arthur, nunca encontrava nada à primeira. Não entendia a ordem que a mãe dava às compras, como as classificava e as arrumava. Era um verdadeiro mistério para ele. A dispensa não tinha uma luz muito forte, e mandarem-no ir buscar coisas que ele nem sabia que aspecto tinham, e ainda por cima, arrumadas à maneira da mãe, irritava-o profundamente. As panelas, os tachos, os pratos, os talheres, enfim, os objectos que normalmente encontramos na cozinha, esses eram fáceis de achar. Com o seu lugar determinado para tudo, a cozinha era mantida sistematicamente arrumada. Mas a dispensa, isso era outra coisa, pelo menos para o Arthur.

Desde muito novo que o Arthur gostava de agrupar os objectos. Já na Escola Primária, aprendera nos exercícios de matemática, que os objectos agrupavam-se em classes, de acordo com características comuns. O professor desenhava grandes diagramas no quadro negro e pedia aos alunos que fossem indicando, onde cada objecto que ia mencionando, teria lugar. Um exercício fácil, perfeitamente lógico.

A primeira vez que foi a uma verdadeira biblioteca, ficou encantado. Que mundo aquele! As paredes cobertas de estantes altas, mais altas do que ele, de tal modo que precisaria de um escadote para alcançar os livros nas últimas prateleiras. Os bustos de homens de Ciências e Letras colocados por cima das estantes altas de madeira. O silêncio. As pessoas muito concentradas. As mesas de leitura. Até as duas senhoras velhinhas, que serviam de bibliotecárias lhe pareciam simpáticas. Arthur fez a sua inscrição. Foi como se um outro universo se lhe abrisse naquele momento. Tinha à sua frente, milhares de livros que podia ler, apreciar e, sobretudo levar para casa. Cada livro no seu sítio. Um código de letras e algarismos, marcavam a estante e o lugar para cada obra. Que mundo perfeito aquele! O primo perguntou-lhe porque escolhera aquele livro. Arthur, meio embaraçado, repondeu que ouvira falar do autor. Mentira. Apenas não queria ficar mal visto. Tirara o livro perfeitamente ao acaso. Gostara da capa e pronto. 

De regresso a casa, Arthur prometera a si próprio que doravante iria esforçar-se para conhecer aqueles livros todos. Uma multidão de pensamentos e descobertas dos homens e mulheres de todas as épocas habitavam a biblioteca. Daquele ano em diante, Arhur passaria a maior parte do seu tempo livre, as tardes de Verão, os dias de férias, no prazer daquelas salas, ou na companhia dos livros da biblioteca. 

As ferramentas do pai, penduradas na parede, cada uma de acordo com a sua função, e organizadas por tamanho, faziam-lhe lembrar as paredes revestidas de livros organizados na biblioteca. O pai dizia: "Filho, tudo tem um método para se fazer e para se arrumar." Arthur, olhou com mais atenção. Parecia que as coisas agora faziam mais sentido.



Referências

Fotografia

Texto
ECO, Umberto; FREITAS, Maria Luísa Rodrigues, trad.. - A Biblioteca. Difel : Lisboa, 1998
ISBN 972-29-0174-5

Como se recolhe e organiza o mundo do conhecimento nas Bibliotecas


domingo, 30 de agosto de 2009

Um dia na praia


"Quem é que consegue segurar o teu neto", disse um pai, também ele filho, que atravessava a praia ali mesmo à frente. - "Estava muito calor, mas pelo menos agora não está tanto calor!"- continuou.  - o avô, pai do outro, responde: - "Tu protejes demasiado o puto." - e acrescenta, "achas que dentro do carro ele estava melhor?!" - E lá seguiam, na direcção do restante da família, que estava instalada à beira da água. Era uma família grande. Tios, primos, todos juntos, um clã que passava um dia na praia, com os inevitáveis amuanços. Toda aquela azáfama das brincadeiras, o choro, as birras dos mais pequenos e os mais velhos a discipliná-los. 

"Está um dia muito bom!" - disse o Manel. Os amigos concordaram. Os quatro amigos, aproveitaram a boa disposição dos pais para darem um 'mergulho à praia', como diziam na brincadeira. Tomado o banho, estenderam-se nas toalhas a secar os calções e os fatos de banho. 

"Mas o que faz o mar ser tão salgado?" - perguntou a Maria. "São os pedacinhos de rocha que vêm parar ao mar." - disse a Catarina, "não é mano? - perguntou, virando-se para o irmão. "Bem, sim. As ondas que batem nas rochas, o vento, a chuva, todos transportam os sais das rochas e dissolvem-nos. Essas águas com os sais dissolvidos, escoam toneladas de sais para o mar a cada ano. Depois a evaporação faz o resto." - explicou melhor o Arthur que gostava destas oportunidades para ensinar aos amigos mais algumas ideias científicas. "Evaporação! Como?" - admirou-se o Manel, que preferia os dispositivos complexos dos seus robots às explicações das Ciências Naturais. "Vês a neblina que vem do mar?" - perguntou o Arthur. "Sim." - respondeu o Manel. - "Claro, quem é que não vê pá!" - "É água evaporada." - disse Arthur, com o ar mais descontraido possível.  "Continua, explica-me lá isso melhor." - disse o Manel. Arthur explicou-se melhor. - "Num dia quente de verão, são milhões de toneladas de água que evaporam! O sol faz evaporar a água e isso torna o mar ainda mais salgado, porque a água evapora, mas os sais e os minerais permanecem."

Enquanto os quatro amigos, deitados ao sol, deixavam que a água do mar evaporasse e a ideia lhes ecoava nas suas cabeças, à sua volta, alguns pais brincavam com os seus filhos, faziam construções na areia à beira da água. Miúdos de todas as idades davam saltos para a águal, jogavam futebol ou voleibol, jogavam às cartas, iam à esplanada, ali mesmo na areia, onde a música tocava. Famílias inteiras descansavam, dormiam a sesta. Os quiosques dos gelados, completavam aquele magnífico quadro de Verão. 



Referências

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Texto 
Despertai! Julho 2006 p. 16 Porque o mar é salgado.

Experimentar


sábado, 29 de agosto de 2009

O Jogo do Berlinde


Toda a manhã era dedicada aos trabalhos escolares. Não que os tivesse nas férias, mas os pais passavam-lhe sempre alguns exercícios. Assim, todos os dias fazia uma cópia, uma leitura, e treinava cada uma das quatro operações de aritmética aprendidas na escola. Era uma rotina, como dizia a mãe. À noite, o pai verificava a cópia, corrigia as contas e os problemas.

Arthur e a airmã ficavam com a tarde livre para as brincadeiras. Enquanto o pai ia para o trabalho e a mãe fazia a lida da casa, os filhos podiam gozar as tardes de Verão. A Catarina brincava, como de costume, com as outras meninas da vizinhança, ao jogo do elástico, a saltar à corda, à macaca. O Arthur ia ter com o Manel, o seu melhor amigo, para jogarem ao berlinde. Havia temporadas para cada uma das brincadeiras lá no bairro. Jogar com as caricas, ao pião, as corridas de carrinhos de rolamentos, tudo tinha o seu tempo. Agora, estávamos no tempo do berlinde. O Manel, o engenhocas, como Arthur o chamava, tinha um 'bilas' novo. Não era uma berlinde de tamanho normal, a rapaziada chamava àquele tipo de berlinde, 'um abafador'. - "Com um berlinde destes podemos ganhar mais jogos." - dizia o Manel.

Arthur e Manel, desenharam um círculo para delimitar o campo de jogo, desenharam o lugar onde ficaria a barroca e em seguida, começaram a escavar a terra. Arthur acertava quase sempre na barroca e tinha muito jeito para jogar o berlinde. O Manel, engenhocas, não jogava muito bem, mas fazia as contas de cabeça como ninguém, por isso, calhava-lhe calcular os pontos dos jogos.

Jogaram ao berlinde toda a tarde. No fim do jogo, os dois amigos e as irmãs, a Catarina e a Maria, saboreavam um sorvete de chocolate e baunilha cada um, enquanto o Manel, engenhocas, fazia as contas aos ganhos do dia. Arthur observava quem passava e pensava: - "As pessoas são tão diferentes umas das outras!"



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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A obra de Arte

Arthur gostava de ver exposições de arte. Cada vez que voltava para casa vinha diferente. A arte abria-lhe os olhos para coisas que nunca vira, ou até mesmo, pensara alguma vez que existissem. Tinha pedido ao pai para o levar a ele e à irmã, a visitar um dos museus da cidade. Quando entraram no edifício, sentiram logo que estavam num lugar especial. As pessoas ali não andavam com pressa, andavam a passo lento, olhavam com muita atenção, paravam, diziam qualquer coisa baixinho entre si, andavam mais um pouco. Um passo à frente, outro atrás, olhavam com muita atenção, balançavam a cabeça, andavam mais uns passos para o lado, e toda esta coreografia era repetida. Às vezes, havia uns passos diferentes, naquela dança, mas em geral, tudo era repetido na próxima obra, uma mímica quase perfeita.

Arthur divertia-se a imaginar como seria, se as pessoas que ali estavam a apreciar as obras, a fazerem todos aqueles movimentos, ficassem num instante sem o museu. Isto é, como se alguém gigante, fizesse desaparecer o museu, as obras, tudo desaparecesse. Apenas as pessoas e as suas danças, só os movimentos, ficavam. Era como se todos estivessem lá fora no parque, ou noutro lugar, sem mais nada, apenas as pessoas. Como era divertido usar a imaginação assim.

O pai chamou a atenção para um quadro enorme, que ocupava todo o comprimento da parede da sala. Que obra. As pessoas lá pintadas pareciam vivas. Como se o pintor tivesse piscado os olhos, e aquela cena ficasse ali gravada. Sala após sala e o museu ia-se revelando. Entravam agora numa sala ainda maior, quando Arhur, sem se aperceber, pisou qualquer coisa que estava no chão, que não tinha reparado. Depressa se abaixou para endireitar o que parecia ser uma flauta de Pã, aliás, um corredor de flautas de Pã, enfileiradas como peças de dominó, umas atrás das outras, mas em que alguém tinha tido o prazer de derrubar. Mas tarde demais. O vigilante da sala tinha ouvido o barulho do ferro. E ainda Arthur estava de cócoras, a compor as estranhas peças de ferro, e já o homem começava a repreendê-lo. Arthur pediu desculpa, não tinha reparado naquilo ali deitado no chão. O senhor corrigiu-o: -"É uma obra de Arte, isto é uma instalação, não é para mexer!" - O pai, não valorizou a cena, encolheu os ombros num gesto de descaso e disse para o filho: -"Deixa lá amigo, acho que o artista queria que chocássemos com a sua Arte."


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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Jangada de Plástico III


(Continuação)


- "Vá, diz lá pai!" - insistiu a Catarina.
- "O que é que estiveste a construir? - perguntou o Arthur. O pai fingiu ceder às perguntas insistentes dos filhos e disse-lhes: - "Vocês agora precisam de um meio para responder à mensagem da garrafa. Têm de construir uma jangada e enviá-la pelo mar adentro. Arthur e a irmã não perceberam. - "Queres que 'a gente' ponha isto no mar?" - perguntou Arthur com ar desconfiado. - "No mar, não! Quero que vocês se divirtam com a ideia de lançar a jangada na lagoa e deixarem-na ir com a corrente. Depois, uma pessoa qualquer, que não conhecem, talvez passe por acaso à beira da água, a apanhe, e talvez leia a vossa mensagem." - "Mas, não íamos responder ao homem perdido no mar?" - perguntou a Catarina, meio triste. - "Sim,  tens razão filha, mas, talvez o homem perdido veja a vossa jangada!" 

Chegados à praia, era o ritual de sempre. Voltavam a tirar os sacos com a trouxa, e toda a parafernália do costume. Iriam montar novamente o 'acampamento', mas antes tinham de percorrer o areal até ao sítio da praia que o pai gostava. O pai gostava de estar no meio da multidão, a mãe gostava de estar mais afastado dos outros veraneantes. Escolhiam a Aberta, o canal onde o mar comunicava com a lagoa. Ali tinham tudo. O melhor da praia, do mar e da lagoa. O pai, podia tomar banho no mar. A mãe, tinha o seu lugar sossegado. Os filhos, tinham a lagoa para brincar e tomar banho e, especialmente hoje, para lançar a jangada. 

Os velhos materiais que o pai tinha encontrado na praia, serviam às mil maravilhas para a jangada improvisada. Duas garrafas de plástico, daquelas de 1 1/2 L, serviam de casco. Várias canas atravessadas entre as garrafas, presas com os cordões retorcidos e uns restos de rede de pesca, serviam para o convés. Uma prancha de plástico, resto de um bidon, servia para a quilha. Finalmente, uma velha armadilha para a apanha do carangueijo, servia na perfeição como vela. O pai tinha muito jeito para construir brinquedos com materiais aproveitados. Dizia sempre que, quando era pequeno tinha de fazer os seus próprios brinquedos. Depois falava dos barquinhos feitos de casca de pinheiro, das velas que fazia com as folhas dobradas das canas, as bolas de futebol feitas com trapos velhos, dos carrinhos de rolamentos... Uma longa e divertida estória que os filhos escutavam deliciados.

Arthur e a Catarina ficaram ali a observar de longe. Como era bonito ver a jangada de plástico seguir a corrente. Catarina, perguntou: - "Mano, porque é que os barcos flutuam e os papagaios voam? - Arthur, gostou da pergunta, sorriu e disse: - "Lembras-te da Enciclopédia que o primo nos ofereceu? - "Sim." - disse a irmã. Arthur respondeu: - "Depois eu mostro-te porquê, agora, anda ver uma coisa!


Afinal,  

... porque é que a jangada flutua?

... e os papagaios voam?

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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Jangada de Plástico II


(Continuação)

Os pais não ficavam o dia todo na praia. O médico tinha-os avisado que, por causa da radiação ultravioleta, não deviam 'fazer' praia nas horas mais quentes. Por isso, quando se aproximava a hora do almoço, Arthur e Catarina ajudavam os pais a desmontar o 'acampamento', como chamavam ao velho chapéu-de-sol, e faziam a longa caminhada de volta ao carro. Arthur não percebia porque é que o pai levava tanto lixo. Vira-o a trabalhar as garrafas de plástico, as canas e os cordões retraçados, todos aqueles materiais velhos, mas não compreendia ainda, o que é que o pai pretendia fazer. 

Quando iam quase a sair do areal, viram uma luz pequenina a brilhar nas ondas e a mexer-se devagar, para cá e para lá. - "O que é aquilo ali na água, mano?" - disse a Catarina. - "Não sei, daqui não se vê bem!" - respondeu o Arthur. - Correram os dois para a água, e qual não era o seu espanto, viam uma garrafa de vidro, já em cima da areia, com o que parecia ser um papel escrito lá dentro. A mãe disse-lhes, com um sorriso matreiro: - "Deve ser um pedido de ajuda, um SOS de alguém que naufragou, ou, de algum pirata!"- Arthur já não acreditava em piratas, pelo menos, daqueles que se viam nos filmes e nas histórias infantis. - o pai, aguçou-lhes ainda mais a curiosidade: - "Acho que vocês vão ter de ajudar o náufrago, têm de responder a este pedido de ajuda!"
 
O almoço no pinhal era uma delícia. A mãe preparava sempre a refeição em casa, uma vez no pinhal, era só montar a mesa de campismo, pôr os banquinhos, e num minuto, toda a família estava sentada a comer o delicioso frango com batatas fritas, arroz e a inevitável salada. Depois da refeição, enquanto o pai dormia a sesta, deitado numa manta que traziam sempre dentro do velho Citroën 2 cv, Arthur e a irmã, olharam mais uma vez para a misteriosa construção que o pai montara. Estavam ansiosos para descobrir, o que era aquele objecto tão estranho. 

Finalmente, o pai acordou. O Arthur e a Catarina pularam para cima da manta. - "Pai, para que é aquela coisa que tu fizeste?" - disseram em coro. - O pai, espreguiçou-se, exagerando os movimentos e agradou-se da ideia de lhes espicaçar a curiosidade... 

(continua)



Referências

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Curiosidade



terça-feira, 25 de agosto de 2009

Jangada de Plástico

Primeiro que tudo, escolher no extenso areal, o sítio mais agradável para fixar o chapéu-de-sol, o pára-vento e os sacos com a trouxa. Depois, estender as toalhas de praia e largar o papagaio que ficava ali, toda a manhã, preso ao cabo do chapéu. Com um só fio, uma vez largado, mantinha-se onde o vento o deixava ir. Finalmente, a tarefa mais agradável, encher o barco insuflável, que levava duas pessoas. Andar naquele barco amarelo e preto, durante o Verão, era um regalo, significava aproveitar o melhor da praia.

A Catarina, com o seu chapéu de palhinha com um laçarote vermelho, trazia sempre consigo o balde de praia, a pá, o ancinho e as formas para fazer pequenos peixinhos, estrelas e cometas na areia. Arthur também gostava de brincar com a irmã. Juntos, faziam pequenos castelos de areia à beira do mar.  Deixavam escorrer, por entre as mãos, a areia encharcada que, como uma estalactite, precipitava a fazer pequenos torreões, contrafortes e arcos. Toda uma arquitectura de areia.

Arthur e Catarina fitaram o papagaio. Deitavam-se na toalha a olhar para cima, a ver como ele se mantinha lá no alto, apenas sustentado pelo vento. A hora do banho, o momento mais desejado do dia, quando podiam finalmente agarrar no barco amarelo e preto e saltar para a água, ainda estava longe.  

Mas, hoje o pai tinha uma surpresa para os dois. Juntara umas garrafas de água velhas, feitas de plástico transparente, uns cordões retraçados e umas quantas canas, trazidas pelas ondas do mar. Trabalhava agora todas aquelas coisas velhas. Arthur e a irmã observavam, estavam a ficar em pulgas! O pai não lhes explicara o que estava a construir, e eles tão-pouco acertavam...

(continua)



Referências
Fotografia

Dicas



segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Demócrito e o torrão de açúcar


Estava um dia de Sol magnífico. Arthur lembrou-se de uma outra ocasião assim, há alguns anos atrás, quando era bem mais jovem. Fora um dia em que fizera uma tremenda descoberta.

Tinha passado toda a tarde no parque. Estivera por ali sozinho a observar as pessoas, a ver toda aquela variedade de plantas, a atirar pão aos patos no lago, a deliciar-se com as ondas na água que estes faziam. Estar sozinho era bom. Dava-lhe tempo para pensar e para ler. Ler era como pensar, mas acompanhado. Era uma espécie de conversa entre ele e a pessoa que escrevera o livro. Levara o último livro que recebera como presente do primo, aquele fora sem dúvida, um dos melhores livros que lhe haviam dado.

O livro começava por explicar que um grego antigo, um sábio chamado Demócrito, que vivera no século V antes da nossa época, dissera uma vez: - "Nada existe além de átomos e vazio". - Arthur nunca tinha ouvido aquela palavra. "Átomo"? - O livro continuava: - "Tudo o que víamos era feito de átomos, que eram partículas muito pequeninas, Átomo significava por isso, 'impossível de dividir'."

Era como se todas as coisas fossem feitas de 'torrões', que podiam dividir-se em grãozinhos de açucar. - "Nós somos feitos de uma combinação de átomos!" - a imagem era muito clara. - "Aquela era uma espantosa descoberta! Porque as pessoas não pensavam nisso?" - Mostrava a simplicidade e, ao mesmo tempo, complexidade de todas as coisas. Mas parece que esta ideia não afectava ninguém ali no parque.

À noite, já em casa, depois do jantar, descascara uma maçã. Uma maça tem cor, textura, tamanho, forma, e... átomos. Demócrito tinha ilustrado, com uma maçã, a sua ideia. O sábio imaginara-se a cortar aquela peça de fruta ao meio, depois novamente ao meio e assim sucessivamente. Demócrito dissera: - "A divisão da maçã é possível porque é feita de átomos. Quando a cortamos, a faca tem de passar pelos espaços vazios entre esses átomos. Se continuarmos, acabaremos por encontrar uma dessas partículas, um desses átomos". - Depois da fruta, Arthur ficara ali sentado à mesa, atónito, sozinho, a brincar com os torrões de açucar... e a pensar no Demócrito. Conhecera o pequeníssimo átomo, o bloco de construção de todas as coisas.



Referências

fotografias

texto

DAMPIER, William Cecil; CANDEIAS, Alberto, trad. - História da Ciência e das suas relações com a Filosofia e a Religião. Lisboa : Editorial Inquérito, 1944

CRATO, Nuno; PEREIRA, Vasco F, ilustração. - Passeio Aleatório pela Ciência do dia-a-dia. Lisboa : Gradiva, 2008
ISBN 978-989-616-216-0


domingo, 23 de agosto de 2009

O travesseiro

As férias em casa da tia, eram sempre um motivo de grande satisfação. A tia era muito mais liberal do que os pais. Deixava-o fazer as coisas que os pais normalmente não lhe permitiam. Chamava-lhe carinhosamente "o meu pequeno terrorista".

Talvez porque ele gostava de fazer 'experiências', como aquela em que, para perceber o efeito que a pressão do ar exerce nos corpos, tinha colocado uma folha de papel no bordo de um copo cheio de água, para em seguida o virar e ver com satisfação que, o ar fora do copo suportava o papel e a água dentro do copo. É claro que não o conseguiu logo à primeira. E, primeiro que coordenasse os movimentos certos, para fazer a experiência como tinha visto no livro de ciências do pai, já havia entornado alguns copos pelo chão da cozinha. Mas ela continuava a gostar dele. Era o seu sobrinho mais novo.

As férias estavam a ser fantásticas. Chegaram os primos do estrangeiro. Podiam agora passar tempo juntos, conversar, explorar as redondezas, o terreno onde vai ser feito o novo jardim municipal! Só o facto de tomarem as refeições em família, de partilharem as tarefas domésticas, só por isso, já se divertiam.

O problema foi à noite, quando todos se estavam a deitar nas camas improvisadas. Então, Arthur viu que não tinha almofada na cama que a tia lhe tinha designado. -'Certos acessórios são geralmente ligados à cama, por exemplo, o travesseiro, então, porque não lhe tinha a tia dado um também? Pelo menos, um que fosse realmente confortável para o tamanho da sua cabeça?' - pensou. - Mas na casa dos tios, os travesseiros estavam todos distribuídos e, por isso, calhou ao Arthur aquela pequena almofada feita ali mesmo, de peças de roupa dobradas que a tia, há muito tempo guardara no velho roupeiro.

'Bem, só há uma solução.' - pensou para com os seus botões - 'Tenho de pedir um travesseiro emprestado!' - E assim fez.


Referências

Pintura

Curiosidade

sábado, 22 de agosto de 2009

O Cinema


"Não achas que víamos melhor na terceira fila?" - Perguntou o pai, com aquele ar de quem se apercebeu que todos estão a fazer frete. - "Não comeces outra vez a gritar pai!" - disse a Maria, num tom de autoridade, como se fosse ela a mais velha. A mãe olhou com ar cansado e aborrecido para a empregada. - "Um café, por favor. Dê-me também um bolo. Pode ser aquele queque ali. Obrigado."

Arthur também ali estava à espera. Lembrou-se da primeira vez que foi ao cinema. Que emoção Sair à noite! Todas aquelas luzes da cidade, os tios, o primo, todos sentados apertadinhos no carro do pai. A sala grande, o senhor dos bilhetes, os candeeiros. A sala ainda maior, com aquelas cadeiras bonitas que deixavam levantar e baixar o assento. - 'Iiiih, mãe! Que g'anda televisão!' - dissera, quando dera com os olhos na tela do cinema. Nunca tinha visto nada assim.

Escureceu, a música começara, dava início a sessão da noite. O filme era de aventuras, mas depressa se transformou numa comédia. Arthur não conseguia ver, era demasiado baixo e não havia cadeiras especiais para crianças. Os pais tinham posto os casacos dobrados a fazer de almofada. Nada feito! Lá em casa não tinha cabeças à frente, aqui havia muitas. Sentaram-no na cadeira, com o assento levantado. Ficou mais alto. Agora sim, já podia ver o filme sem estorvo!

Num instante, estava a cavalgar pelo Velho Oeste, quando de repente: - 'Atenção, olha, ali!' - Arthur fazia o gesto e pulava ao mesmo tempo em cima da cadeira com o assento levantado. Todos à sua volta estavam mais interessados no que ele fazia, que na história que a tela contava. As pessoas sorriam com o seu entusiasmo ingénuo, não prestavam atenção ao filme. Aquele menino divirtia-os muito mais. Arthur, não tinha tempo para pensar em como era bonito o cinematógrafo.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O Ovo duro

Tinha visto a mãe meter vários ovos, um atrás do outro, dentro de um pequenino alguidar de plástico cheio de água. Sabia que a mãe avaliava a qualidade dos ovos, colocando-os na água. De cada vez que fazia esta operação, dizia: - "Se um ovo não se afundar, é porque está estragado!"

Acabavam as férias grandes em casa da tia. Arthur recebera como presente, 1/2 dúzia de ovos da galinha que a tia criava no quintal. Bonitos, com aquela forma tão característica. Uns brancos, outros cremes... 'Espera! Porque é que as galinhas não punham os ovos da mesma cor?' Parecia que cada galinha escolhia a sua cor. Observou melhor...

Agarrou num ovo. Pesou-o. Sentiu-lhe a 'dureza'. Arthur pensou: - 'Porque tinha o ovo aquele aspecto?' Em tempos, tinha lido que os ovos eram resistentes, porque tinham uma forma convexa. Que um ovo era como uma pequenina abóbada ou arco, como aqueles que suportam os tectos dos edifícios antigos. Era fascinante olhar para aquela pequena obra de engenharia, resistente para que não se partisse facilmente, e ao mesmo tempo, frágil, para que um pintainho lá dentro a pudesse quebrar. Agora, queria apenas sentir como aquela forma era dura, resistente.

'O que aconteceria se apertasse o ovo, assim?' Tentara com alguma força, ele não cedera. Apertara mais... 'Bolas! Partiu-se!' Já era tarde demais, o ovo tinha-se esborrachado completamente e manchado o sofá da tia. Envergonhado com o que tinha acabado de fazer, Arthur não sabia o que fazer. Todos o censuravam. 'Parecia impossível! Como é que ele tinha feito aquilo? Afinal, era um homenzinho, porque é que não se comportava como tal?' O primo acudiu imediatamente, com um pano molhado, antes que o ovo se afundasse mais no sofá. Arthur ficou simplesmente ali, sem se mexer: - 'No fim de contas, de que são feitos os ovos?'


Referências

Fotografia

Curiosidades

Para saber mais

Partir ovos e outras experiências

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Toni... deixa passar o senhor

O menino esticava-se...
Pôs-se em bicos de pés para chegar ao topo da prateleira. A mãe tinha-lhe pedido mais um simples recado. É claro, tinha de o fazer como a mãe dizia! Mas ele não gostava daquelas idas ao supermercado. Todos aqueles quilómetros de letras e números enfileirados. Depois, havia o problema do troco. Sim, era um problema. Ele confiava em todos, achava que a senhora do supermercado nunca o enganaria. Afinal ela estava lá, não estava? Quem a pôs lá confiava nela, porque razão ele não havia de confiar também?

Mas acontecia mais uma vez. A mãe bem o tinha avisado: -"Arthur, olha para o troco! Contas as moedas que a senhora te dá, tens de trazer quinze cêntimos!" - Mas o Arthur, não contava. Confiava. E no seu porta-moedas à maneira antiga, daqueles que se abrem como se fossem um pequenino envelope, daqueles em que se tinha de dobrar uma nota em quatro, para que coubesse na bolsinha das notas, lá carregava o dinheiro à conta para o recado no supermercado. O problema era a caixa. Era um sarilho! Todas aquelas contas, preços, números para aqui, números para ali, um sem parar de operações que lhe pareciam tão complicadas.

Chegado a casa, Arthur ficara ainda mais aflito. Confrontar o seu porta-moedas vazio com a expressão seca da mãe, era-lhe ainda mais penoso. Era como se o seu mundo fosse acabar. E lá voltava a história toda, primeiro, tinha de passar pela vergonha de ir mais uma vez ao supermercado, depois, enfrentar o olhar espantado da senhora da caixa, agora não tão bonita como quando lá tinha ido na primeira vez. Enfim, que embaraço! Prometera a si mesmo que, quando crescesse e tivesse um filho, nunca o faria passar pelo mesmo.

O relógio indicava a hora em que o pai chegava a casa. A mãe tinha-lhe dito que não o deixava sair se não copiasse a tabuada inteira. Mas o pai condescendeu. - "Oh filho, tu tens de te aplicar!" O pior é que o pai tinha razão, mas Arthur não sabia disso.

Ia agora aos ombros do pai, contente, sem porta-moedas, sem moedas e sem recados de supermercado para se preocupar. O Pai lá continuava, no seu ritmo habitual. Não via. Não podia ver. Mas a esposa disse-lhe: - "Toni... deixa passar o senhor." - Arthur e o pai, desviaram-se para a beira do passeio, e o homem que estava atrás deles, lá conseguiu passar. Arthur pensava: - 'Concerteza, aquele homem, conseguiu decorar a tabuada toda!'

Arthur cresceu, e por estranho que pareça, aprendeu a gostar de Aritmética.



Referências

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O meu cão não gostava da cor


Maria chamou o pai.
- "Ele fez-me doer..."
- A mãe corrigiu. "Ele, não!... O Pai!"

Mas, era muito difícil perceber aquela repreensão. Afinal, ele era como ela. Não a havia também ele tratado com desrespeito em frente de todos, à mesa daquele restaurante? É claro que Maria comia de um modo muito seu, tão-pouco via algum problema em apanhar a comida que tinha caído ao chão e... voltar a metê-la na boca! Mas isso, não era nada de especial. Pelo menos para ela. Para ele, talvez...

Os anos passaram. Maria crescia. O pai não.
Maria fazia o que queria. 'Ele', o pai, não.

Numa tentativa incessante de se fazer parecer singular, Maria tinha o cabelo incessantemente pintado. Não era como aquelas cores que toda a gente tinha. Não. Um dia roxo, depois, azul, a seguir, verde, amarelo, por fim, vermelho. Experimentou o espectro completo da luz visível. Tingir o cabelo, era vital. Como poderia ter um aspecto normal e ser singular, única na sua espécie?

Nenhum de nós diria que Maria tinha falta de opinião, não!

Mas um dia, Maria não pintou o cabelo. Apareceu no trabalho, igual a muitas outras Marias. Quando lhe perguntaram porquê, simplesmente disse:

- "O meu cão não gostava da cor!"



Referências
Imagem, fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Arco-íris

terça-feira, 18 de agosto de 2009

A importância de se chamar...


A importância de se chamar... Arthur.
Podia ser um outro nome qualquer. Mas queríamos um nome comum, usado em todo o mundo, assim escolhemos este. Ninguém sabe ao certo onde e quando se chamou pela primeira vez Arthur a alguém. Quando dizemos Arthur, dizemos todas as formas deste nome:

Arcturus, Arktouros, Arthur, Arthurus, Artorius, Artur, Arturo, Artza, Arzhur, Âsâ, Dury, MacArthur, Артур, ארתור (Artur)

O nome era já usado pelos celtas, e pelos gregos antigos significando “o guardião do(a) urso(a)”, “urso forte” ou “forte como um urso”.

Ainda hoje, se à noite levantarmos os olhos, podemos ver Arcturus da constelação do Boieiro (Arcturus, a estrela alfa, i.e. a mais brilhante da constelação), próxima da Ursa Maior e da Ursa Menor, e a quarta mais brilhante no céu nocturno. Homero refere-se a ela na Odisseia.

Podia ser um outro nome qualquer. Mas escolhemos um nome comum. Comum, como o era o do rei lendário, soberano dos cavaleiros da Távola Redonda.



Referências
imagem fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Bootes.jpg
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles - Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Lisboa : Temas & Debates, 2003

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Porquê Caleidoscópio?

Bem, porquê Caleidoscópio?

Talvez porque este aparelho fascinante representa a variedade.
O caleidoscópio de cores e formas criativas emociona tanto os espectadores adultos como as crianças maravilhadas.

Conhecido dos Antigos Gregos, foi reinventado na Inglaterra por Sir David Brewster em 1816.[1] Se consultarmos uma qualquer obra de divulgação sobre ciência ou tecnologia, percebemos que este interessante aparelho óptico, formado por um pequeno tubo com fragmentos de vidro colorido, utiliza o reflexo da luz em pequenos espelhos inclinados, para apresentar variadas combinações de efeitos visuais agradáveis.[2]

Quando Galileu Galilei apontou seu recém-inventado telescópio para o céu, deparou-se com uma vista completamente nova. Podia ver dez vezes mais estrelas do que qualquer outro homem jamais vira. A Via-Láctea surgia então, não como massa nebulosa, mas... como um caleidoscópio de incontáveis estrelas, grandes e pequenas. Diante dos seus olhos a superfície da Lua transformou-se de uma porcelana lustrosa em um mosaico de montanhas, crateras e mares secos. [3]

Assim, porquê Caleidoscópio?
Talvez porque as actividades e os interesses de qualquer um de nós, produzem um contínuo caleidoscópio de cores e formas variáveis, um caleidoscópio da humanidade.

Caleidoscópio deriva das palavras gregas καλός, είδος e σκοπέω, respectivamente: "belo, bonito", "imagem, figura", "olhar (para), observar" ou se quisermos: "looking at beautiful forms".


Referências
[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Kaleidoscope
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Caleidoscópio
[3] Despertai! 22 de Março 1992 p. 3 O telescópio de Galileu — apenas o início!

Brevemente neste espaço...

Brevemente neste espaço... Arthur e o Caleidoscópio.

Único... verso

“Como começou o universo?”, perguntou o Arthur ao primo. O primo sabia que o Arthur gostava de fazer todo o tipo de perguntas, mas não esta...